Quando o juiz apitar o fim da partida entre a Argentina e França hoje, Luis Roberto, de 61 anos, estará terminando sua décima Copa do Mundo. Ele não será o narrador da partida final, mas vai participar das homenagens que a Globo preparou para Galvão Bueno, que se despede dos Mundiais no Catar.
Um filme, não de drama como prefere, vai passar pela cabeça de Luis, que começou a conviver com o colega e "muso inspirador" desde que narrava jogos pelo rádio. E dá-lhe bola rolando. Não por acaso, ele é visto pelo público cativo do futebol como o sucessor natural de Galvão nas grandes coberturas.
Com a elegância de sempre, o narrador, que recentemente virou até meme, prefere não cobrar esse escanteio. "Acho que todos nós, narradores da televisão e do rádio, desfrutamos do legado que o Galvão está deixando. Todos somos sucessores dele neste sentido", dribla Luis Roberto com genialidade.
Como num importante jogo, ele passa a bola adiante e volta à zaga, aguardando que o time solicite outra jogada sua. O gol, quem sabe, será feito em quatro anos, quando, espera poder gritar "É hexa!". "Acho que todos nós vivemos impulsionados pelos nossos sonhos. É o que me move. Então narrar um evento que tenha o Brasil sendo relevante é demais".
Quando precisou se afastar das transmissões no começo da Copa por questões de saúde, você pensou que não conseguiria voltar a tempo?
A sinusite provoca uma secreção que para nas cordas vocais. Isso sem dúvida me deixou preocupado. Mas como nós, narradores, temos um tipo de treinamento e atenção para esses acontecimentos na vida, conseguimos correr a tempo. Eu me consultei por videoconferência com o otorrino que me atende no Brasil, um amigo de longa data. A Debora Feijó, nossa fonoaudióloga, me ajudou com exercícios e recorri aos medicamentos. Foram três dias de tratamento intensivo, como os jogadores costumam falar. No terceiro dia eu já estava bem legal e coincidiu de ser um dia de jogo do Brasil quando, pela minha escala, eu já estaria de folga. Deu tudo certo.
Além do esporte, em especial o futebol, o que mais te emociona, quais são suas grandes paixões?
Minhas grandes paixões são as grandes histórias. Eu adoro cinema, por exemplo. Filmes de drama. E sou apaixonado por documentários. As histórias dos grandes personagens da humanidade me encantam, não só os do esporte, mas de cultura em um modo geral. Eu também adoro acompanhar política, seja do Brasil ou internacional. E outra paixão é a gastronomia. Eu adoro a culinária brasileira, sou um apaixonado pelas diferenças das nossas regiões.
Com a aposentadoria do Galvão, você já consegue se enxergar como um sucessor dele?
Acho que todos nós, narradores da televisão e do rádio, desfrutamos do legado que o Galvão está deixando. Todos somos sucessores dele neste sentido. O legado do Galvão vai além da questão artística. Ele se reinventou ao longo dos anos e nos mostrou um caminho de adequação, não só da linguagem atual, mas também de apresentar um evento. O Galvão também deixa um legado de valorização da profissão. Ele mostrou ao mercado como é difícil essa função de narrar, não só o futebol, mas outras modalidades. É um legado que vai além do microfone ou da telinha. Todos nós, narradores do Brasil, desfrutamos do que ele está deixando.
Luis Roberto e mulher Foto: Reprodução/Instagram
Como foi sendo construída sua relação com o Galvão ao longo desses anos?
Minha relação com o Galvão é anterior à TV Globo. Eu trabalhava no rádio, e ele sempre teve muito carinho pelos companheiros de profissão. Sempre foi um cara generoso, que gosta de ter as pessoas por perto. Tem uma história bem marcante para mim, que mostra a força da nossa relação nesta profissão. Eu trabalhava na Rádio Globo quando o Ayrton Senna morreu. Lembro de voltar de uma entrevista no Instituto Médico Legal de Bolonha e ver que o Galvão tinha deixado um papelzinho no meu hotel com as informações sobre o translado do corpo para o Brasil. Foi um gesto de muito carinho. É uma relação que foi sendo construída com muita lealdade, amizade e respeito mútuo. Esse é um outro legado que o Galvão deixa, o respeito que ele tem pelos colegas de profissão.
Como foi a rotina nessa Copa do Mundo? Conseguiu tirar um tempo pra conhecer a cultura do país e fazer alguns passeios turísticos?
A rotina, obviamente, tem sido muito intensa. Os passeios ficaram em segundo plano. Nos últimos dias, com menos jogos, conseguimos visitar alguns pontos turísticos de Doha. No último domingo eu fui ao deserto de carona, para conhecer. Lucas Gutierrez entrou ao vivo de lá no "Esporte Espetacular". A Copa do Mundo absorve muito com informações e jogos praticamente todos os dias. É uma loucura. Nós temos que traduzir as matérias de noticiários de países que vamos cobrir. É mais difícil mesmo passear. Mas deu para conhecer alguma coisa. Doha é uma loucura, uma "cidade cenográfica" que foi levantada nos últimos anos. Quem jogou aqui no início dos anos 2000 diz que não tinha praticamente nada em Doha no comparativo com os dias atuais. É uma transformação mesmo. E por ser uma Copa realizada em uma só cidade, eu consegui assistir, por exemplo, a dois jogos no mesmo dia algumas vezes, algo impensável em outras edições por conta dos deslocamentos gigantescos.
Como fica a dinâmica familiar nessas coberturas? A saudade aperta ou você consegue levar algumas pessoas junto?
A saudade aperta muito. Não tenho ninguém da minha família aqui comigo. Minha esposa está no Brasil, e nos falamos todo dia pelos aplicativos de vídeo, algo que não existia quando eu comecei. Nas Copas lá atrás, nós tínhamos de marcar hora para falar pelo telefone fixo. Mesmo assim, a dinâmica familiar muda muito com a distância. Um mês longe o coração já fica apertado de saudade.
Luis Roberto e mulher Foto: Reprodução/Instagram
Essa foi a primeira Copa do Mundo com jogos narrados por uma mulher em TV aberta. Você percebeu esse espaço crescendo no meio esportivo ao longo da sua carreira?
Sem dúvida alguma. Ao longo dos anos nós lutamos muito pelo espaço das mulheres. É uma luta mesmo, delas e daqueles que entendem que esta é uma agenda importante. É preciso queimar etapas agora, inclusive, porque as mulheres viviam segregadas. Parece forte falar assim, mas é uma verdade. As mulheres só passaram a ter direito a voto na década de 30 do século passado. Passa por uma construção mesmo a conquista deste espaço. É muito prazeroso para nós acompanhar o sucesso delas. A Renata Silveira narrando na TV Globo, e a Natalia Lara, no SportTV. Também é legal ver as comentaristas: Renata Mendonça, Formiga como convidada, e Ana Thaís Matos, que fez parte do time que cobria os jogos da seleção brasileira e neste domingo vai comentar a final da Copa ao lado do Galvão. É uma comentarista espetacular, uma mulher que construiu sua carreira com conhecimento, luta e muita competência, acima de tudo. É muito bacana ver isso tudo acontecendo.
É um sonho possível de virar realidade narrar uma vitória do Brasil na Copa?
Acho que todos nós vivemos impulsionados pelos nossos sonhos. É o que me move. Então narrar um evento que tenha o Brasil sendo relevante é demais. Vou dar um exemplo. As medalhas do vôlei. Se voltarmos algumas décadas poderia parecer um sonho impossível estar no Maracanãzinho narrando uma conquista do ouro no masculino, como aconteceu comigo em 2016. Também na praia de Copacabana, que é praticamente um templo da modalidade. Começou em Ipanema, eu sei, mas foi lá que se solidificou.
Você participou de dez Copas do Mundo. Já é a hora também de traçar um plano de aposentadoria ou nem passa pela sua cabeça parar?
Na verdade são dez Copas trabalhadas, sendo sete pela TV Globo, duas pela Rádio Globo, e a primeira, que foi pela Rádio Gazeta de São Paulo. Plano de aposentadoria eu tenho desde sempre, mas não de parar de trabalhar. Vou explicar. Acho que o trabalho realmente enobrece. Como bem cantou o Fagner certa vez, "o homem se humilha se castram o seu sonho". Acho que é bem isso. Este trabalho é a minha paixão. Meu plano de aposentadoria passa mais pela construção de uma vida que me permita viver bem até os últimos dias. Enquanto eu tiver saúde, lucidez e agilidade, porque na minha profissão eu preciso decifrar tudo rapidamente, eu pretendo continuar. Não acho que é hora de parar ainda. Quero mais uns anos pela frente. Depois, quem sabe, seja o momento de desfrutar um pouco da saúde que, se Deus quiser, restará e da minha família. Seguimos sonhando e vamos em frente.
Fonte: Extra
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