Após a manhã de reprodução simulada, nesta terça-feira (03), solicitada pela Polícia para tentar desvendar o que de fato aconteceu para a morte de Maria Katharina, de 10 anos de idade, encontrada enforcada em um estábulo, a mãe da menina, Maria Virgínia, de 48 anos, fez uma série de acusações ao pai da criança.
Em entrevista, Virgínia emocionou-se e disse que a própria vida foi enterrada junto com a filha.
“Não sei o que foi que aconteceu. Sei que encontrei minha filha morta. Isso me deixa muito atordoada. Estou fazendo perguntas sobre o porquê e não tenho resposta. Eu quero resposta e justiça. Isso não se faz nem com um animal, o que dirá com um ser humano, um anjo da minha vida. Tiraram a minha vida também junto com ela. Enterraram a minha vida junto com ela. Só quero justiça”, disse a mãe.
Virgínia participou do momento, que procurou reproduzir todos os passos da família na cena do crime. O pai de Katharina também esteve no local, o sítio onde a família morava, mas não gravou entrevistas.
Segundo a mãe, o pai tinha um comportamento agressivo com ela e com os dois filhos. “Ele espancava ela, ele batia nela. No dia [da morte da menina], o filho estava com ele. O menino, no depoimento, falou que ele bateu nela. E ele mentindo, dizendo que não bateu”, afirmou a mãe.
“Até eu apanhava. O pequenininho também levava puxão de orelha, pendurado pela orelha. Ele batia muito nela. Batia nas mãos dela. Chamava coisa feia com ela. Quando ele batia nela, eu entrava no meio, aí apanhávamos nós três”, relatou Virgínia.
Após a menina ter sido encontrada morta, ela pediu a separação e uma medida protetiva contra o marido. “Uma semana antes desse acontecido, ele olhou para mim e disse que queria ficar viúvo. Do nada. Não tínhamos tido problema nenhum naquela semana e, do nada, ele olhou para mim e disse que queria ficar viúvo”, afirmou.
A notícia da morte da filha
Quando perguntada sobre como soube da morte da filha, Virgínia deu seu relato. “Eu estava trabalhando e em momento nenhum ele [o pai da criança] ligou para mim. Quando liguei para ele, perguntando onde ele estava, ele disse que estava chegando na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] com o menino acidentado, que tinha levado um corte, e a menina estava em casa. E ele sempre todo frio. O portão estava fechado. Eu sabia que eles estavam em casa e não levei minha chave. Quando cheguei em casa, me deparei com a situação. Pedi socorro, gritei muito e ninguém veio ao meu encontro. Só ele [o pai] que chegou meia hora depois. Ela foi socorrida, mas só que ela já estava morta quando eu a peguei. Ela estava até fria já”, relatou a mãe.
Mudança no comportamento do irmão de Katharina
A mãe contou também à reportagem que o filho mais novo, de 5 anos de idade, levado pelo pai para a UPA por conta de um corte momentos antes do enforcamento de Katharina, está com comportamento muito alterado desde então.
"O menino está muito abalado. Às vezes ele surta do nada, e ele não era assim. Estou levando ele para o psicólogo. Hoje mesmo ele teve um surto. Fui pedir para ele se arrumar para ir à escola, ele disse que não queria ir. Acho que ele estava percebendo alguma coisa e ficou muito agressivo comigo, até minha irmã ajudou a segurá-lo para acalmá-lo, como se estivesse surtando".
De acordo com o depoimento do menino a uma assistente social, o pai deu dois tapas em Katharina quando se deparou com o menino ferido. “Ele disse que o pai deu dois tapas nela. Um do lado do rosto, em que ela rodopiou e tentou se segurar, e deu outro tapa no outro lado", contou a mãe.
"Estou aqui só viva, gente. Não sei nem como estou falando aqui. Só Deus está me dando conforto, porque não estou aguentando mais. Durante esses dois meses, não tenho sossego, todo dia é na polícia, todo dia é fazendo perguntas, todo dia é isso, é aquilo. Chega! Eu quero justiça!", clamou a mãe.
"As duas versões [da mãe e do pai] foram reconstituídas. São bem parecidas, tem alguns pontos controversos, mas que não influenciam muito na elucidação dos fatos. Nas duas versões foi constatado que realmente a criança poderia ter amarrado a corda e ter se enforcado. Vamos aguardar o laudo definitivo, mas preliminarmente podemos dizer que foi um suicídio", afirmou Diogo Martins, chefe de operações da Delegacia de Palmeira dos Índios.
Durante quase cinco horas de exame pericial, os cinco peritos criminais analisaram uma série de fatores, incluindo altura, distância, espaço, peso, tempo e percurso. A reprodução simulada utilizou uma pessoa com características físicas semelhantes às da vítima para recriar os últimos momentos de vida da menina.
O repórter Theo Chaves, do TNH1, esteve no sítio e entrevistou também os representantes do Ministério Público do Estado, da Polícia Científica e da Polícia Civil para saber o posicionamento dos órgãos após a reprodução simulada. Veja abaixo o que disseram cada um dos membros.
Ministério Público: "O que temos é um procedimento até então intitulado como suicídio. Mas com essas provas que serão produzidas agora e principalmente com o laudo técnico da perícia criminal, que vai ver a situação fática da situação dele (pai) não bate com a dela (mãe), o horário não bate, a altura e a distância... Com tudo isso, uma prova técnica vai conseguir visualizar quem tem razão ou não. Tudo vai depender como virá a perícia. Não tenho como antecipar, pois tudo vai depender da conclusão da perícia. O MP está no aguardo da conclusão do inquérito em que a prova técnica estará no inquérito", disse o promotor de justiça Luiz Alberto de Holanda.
Polícia Científica: "Nosso intuito aqui na residência da vítima era tão somente constatar o local onde teria ocorrido o fato, coletar algumas possíveis evidências e fazer a correlação com o que foi falado durante os depoimentos no inquérito e só então conseguir produzir o laudo", enfatizou o perito Edson Silva.
- Há divergências do depoimento para o que vocês observaram aqui?
Perito: "Havia divergências já em relação às questões coletadas no inquérito. Por isso que a polícia necessita do auxílio da perícia no que tange a reproduzir os fatos, comparar as versões, versões sempre divergem, cada um tem seu olhar de acordo com o emocional na hora que é perguntado, aquilo que viu às vezes não reflete com a realidade também, por conta de diversos fatores. Nosso objetivo é tentar esclarecer aquilo que realmente aconteceu".
- Tudo o que foi coletado aqui na reprodução é suficiente para concluir o relatório?
Perito: "Não houve uma perícia no momento do fato, tendo em vista que a vítima teria tentado ser socorrida. Não tendo havido a perícia naquele momento, foi necessária a presença e a reprodução simulada".
- Sobre o posicionamento da cadeira, vocês a colocaram em duas posições diferentes? O que foi constatado?
Perito: "A gente vai analisar aquilo que foi medido, considerado como posição dos objetos na cena do crime, e tentar estabelecer mais ou menos o modus operandi de como aconteceu. E se havia viabilidade técnica da vítima ter praticado aquele ato".
O chefe de operações, Diogo Martins, também foi questionado sobre o passo a passo da reprodução simulada. Veja abaixo:
- Qual foi o passo a passo da simulação?
Chefe de operações: "A simulação reproduziu o dia do fato. A gente tratava como crime, mas acredito que agora foi esclarecido que foi um suicídio. A simulação trouxe desde o início quando a criança de 5 anos, o irmão da Katharina, se cortou no terreno aqui próximo. O pai veio até a residência pegar os documentos para poder ir para a UPA. Quando chegou aqui, ele deixou a Katharina em casa e foi embora só com o irmãozinho. Quando estava indo para a UPA, ele ligou para a mãe da Katharina, pedindo para ela voltar para a residência, porque a Katharina estava sozinha em casa. Quando a mãe voltou para casa, chamou na porta, ninguém atendeu, a mãe pulou a cerca e viu a Katharina enforcada no estábulo, no fundo da casa. Nesse momento, a mãe ligou para o marido, pai da Katharina, dizendo que a Katharina estava enforcada. Ele estava na UPA e pediu para ela cortar a corda e prestar o socorro. Ele retornou para a residência junto da irmã, quando chegou aqui, tentaram reanimar a Katharina, não tiveram sucesso. Tentaram ligar para o Samu, aqui é ruim de área (sinal), demorou a conseguir a ligação ao Samu. Resolveram prestar o socorro por conta própria e levá-la à UPA, no caminho conseguiram encontrar uma ambulância do Samu. Tiraram a menina do carro dele e colocaram na ambulância. Chegando na UPA, a Katharina já estava em óbito. Depois disso, alguns parentes foram até a UPA prestar socorro, tanto para o irmãozinho que estava com a perna cortada, quanto para a Katharina. A menina foi encaminhada ao IML e no dia seguinte iniciamos as diligências para tentar apurar os fatos".
- A Polícia reconstituiu as versões do pai e da mãe?
Chefe de operações: "Sim, as duas versões foram reconstituídas. São bem parecidas, tem alguns pontos controversos, mas que não influenciam muito na elucidação dos fatos. Foram reproduzidas as duas versões. Nas duas versões foi constatado que realmente a criança poderia ter amarrado a corda e ter se enforcado. Vamos aguardar o laudo definitivo, mas preliminarmente podemos dizer que foi um suicídio".
- A mãe relata agressões do pai e discordou da posição das cadeiras lá dentro. Essas posições foram colocadas de acordo com os depoimentos?
Chefe de operações: "As cadeiras foram colocadas tanto pela versão da mãe, quanto pela versão do pai. Nas duas versões, foi constatado que era possível que a menina tenha amarrado a corda e tenha se enforcado sozinha".
- Mesmo sem o resultado da reprodução, só em olhar o que foi feito hoje, vocês acreditam ter solucionado o caso?
Chefe de operações: "Pelo que vimos aqui no local, pudemos constatar que existiria a possibilidade da menina ter amarrado sozinha a corda e ter se enforcado. Não podemos dizer que não houve homicídio, mas o que temos aqui é que é possível que ela tenha colocado a corda sozinha e tenha se enforcado".
- O irmão da Katharina, em depoimento, disse que ela teria apanhado do pai antes do menino ser socorrido?
Chefe de operações: "No depoimento especial que foi submetido o irmão da Katharina, ele relatou essas agressões, mas é algo que não tem importância agora sobre esse suicídio. Será um fato apurado posteriormente".
- A mãe também disse que sofria agressões antes desse fato.
Chefe de operações: "Isso, também será outro inquérito a ser apurado se realmente existiam lesões, maus-tratos contra a mãe e as crianças, outra situação diversa dessa, mas também será apurado".
- Você falou que está tratando o caso como suicídio. A Polícia Civil vai apurar se houve algum tipo de negligência ou será finalizado como suicídio? Ou vai aguardar o laudo?
Chefe de operações: "Sendo constatado como suicídio, a responsabilidade do pai poderá ser por abandono de incapaz, já que a criança não poderia ficar sozinha em casa. Uma instigação ou induzimento da filha ao suicídio, a gente descarta de imediato, porque não tem nada que prove isso aí. Por enquanto, é um suicídio, temos que trabalhar com o que temos no papel. Vamos apurar possíveis maus-tratos e abandono de incapaz".
- Do que depende a conclusão do inquérito?
Chefe de operações: "Vamos aguardar a chegada desse laudo definitivo. O que estou falando aqui foi com base no que a gente viu, não é nada definitivo, nada registrado oficialmente pela Polícia Científica ainda. É baseado no que a gente viu. Quando chegar o laudo da perícia, vamos poder concluir o inquérito".
Reprodução simulada - A reprodução simulada dos fatos é um exame pericial que tem como objetivo esclarecer a dinâmica de uma morte suspeita ou crime. Ela é realizada quando há divergências entre as versões de testemunhas, vítima ou acusado, e pode acontecer tanto na fase da investigação policial ou já na esfera judicial.
Os peritos criminais, liderados pela chefe de Perícias Externas, Rafaela Jansons, avaliaram as versões fornecidas pelos pais e uma tia. A equipe também contou com a presença do chefe do Instituto de Criminalística de Arapiraca, Marcos Aurélio, e dos peritos Adailton Junior, José Edson e Letícia Albuquerque.
O procedimento foi acompanhado pelo promotor Luiz Alberto de Holanda, da 1ª Promotoria de Justiça de Palmeira dos Índios, pelo delegado Rosivaldo Vilar, policiais civis do 64º DP e pelos advogados das partes envolvidas. O laudo detalhado da reprodução simulada está previsto para ser enviado até o final de setembro.
Fonte: TNH1
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