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Arthur Lira se despede da presidência da Câmara com manipulações do orçamento e emendas secretas

Por Elisângela Costa em 03/01/2025 10:28:50

Somente em momentos raros da história política brasileira, talvez apenas sob regimes de exceção, uma autoridade demonstrou tão desrespeitosamente desdém pelas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e ignorou de maneira tão escancarada as determinações legais como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL). Suas ações parecem ser uma espécie de golpe final de seu quarto ano à frente da Casa Legislativa.

Foi o que escancarou o jornalista Breno Pires, da revista Piauí, que esta semana publicou reportagem sobre uma operação ilegal na qual Lira teria subvertido as funções das comissões permanentes e alterado o destino das emendas parlamentares, manipulando o orçamento federal para beneficiar Alagoas, enquanto se prepara para sua possível candidatura ao Senado em 2026. Essa manobra também inaugura uma nova fase do orçamento secreto, criando o que se denomina “emendas dos líderes”.

Este desvio de conduta não se limita a Lira, mas envolve um grupo de dezessete líderes partidários da Câmara, incluindo seu provável sucessor, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o líder do governo Lula, José Guimarães (PT-CE). A operação começou a tomar forma com a tramitação da Lei Complementar nº 210, sancionada em 25 de novembro deste ano. A legislação permitiu que os líderes partidários indicassem as emendas das comissões, algo que, embora já obscurecesse a transparência, não apresentava irregularidades evidentes, pois o processo deveria ser conduzido dentro dos parâmetros estabelecidos, com as comissões permanentes da Câmara aprovando as emendas e fazendo os registros necessários.

No entanto, conforme a reportagem, o golpe aconteceu no dia 12 de dezembro, quando Arthur Lira, de forma abrupta e sem justificativa legal, suspendeu o funcionamento das comissões permanentes e proibiu qualquer reunião entre os seus membros entre 12 e 20 de dezembro. Com isso, tornou-se impossível qualquer deliberação sobre as emendas. Em seguida, os dezessete líderes partidários enviaram um ofício secreto ao governo com uma lista de 5.449 emendas de comissão, totalizando R$ 4,2 bilhões, sob o pretexto de “ratificar” as indicações já feitas pelas comissões. Contudo, a Piauí encontrou evidências de que o ofício continha novas emendas, totalizando R$ 180 milhões em novos valores, além de R$ 98 milhões em alterações, a maior parte destinada ao estado de Alagoas.

Este ofício, com seus destinos e valores modificados, foi enviado aos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais), e registrado no site da Câmara com restrição de acesso, sob o número 14335458/2024. A origem do documento, de acordo com a Piauí, remonta à Secretaria-Geral da Mesa, vinculada diretamente a Arthur Lira.


Ilegalidades e a usurpação das comissões

A operação de Lira não é apenas irregular, mas desafia de maneira sistemática o trabalho do Supremo Tribunal Federal, que, sob a relatoria do ministro Flávio Dino, tem se empenhado para garantir que o processo de emendas parlamentares siga as diretrizes constitucionais, com um mínimo de transparência. A seguir, a reportagem elenca as ilegalidades cometidas.

Primeira ilegalidade: o ofício enviado pelos dezessete líderes partidários contraria o artigo 5º da própria Lei Complementar nº 210, ao ser enviado sem a análise e aprovação das comissões. De acordo com o texto da lei, as indicações das emendas deveriam ser aprovadas pelas comissões, e os respectivos valores, registrados em atas, deveriam ser publicamente encaminhados aos órgãos executores. Ao suspender as comissões, Lira impediu a aprovação das emendas de comissão e, portanto, usurpou a competência das comissões ao permitir que os líderes partidários tomassem a decisão por conta própria.

Segunda ilegalidade: no ofício, os líderes afirmam estar “ratificando” as indicações feitas pelas comissões. Isso é falso. Na verdade, houve uma série de exclusões, inclusões e novas emendas que somam valores de R$ 180 milhões e R$ 96 milhões, sendo que muitas dessas novas indicações foram feitas sem a aprovação das comissões. Essa prática não apenas fere a Lei Complementar nº 210, como também representa uma fraude, já que tais emendas não poderiam ser indicadas sem a devida análise das comissões.

A maior parte dos valores desviados, cerca de R$ 479,7 milhões, é destinada a Alagoas, o estado representado por Lira. Além disso, nas novas emendas, que não passaram pela aprovação das comissões, Alagoas novamente se destaca como o maior beneficiado. Das novas indicações de R$ 180,6 milhões, R$ 73,8 milhões foram destinados ao estado de Lira, uma clara demonstração de que, mesmo nas emendas dos líderes, quem comanda é o presidente da câmara. 

Terceira ilegalidade: o ofício enviado pelos líderes partidários viola as decisões do STF, que exigem que seja possível identificar os parlamentares responsáveis por cada emenda. O sistema de “orçamento secreto” existe justamente para ocultar a identidade dos parlamentares que recebem as emendas, o que contraria o princípio da transparência. Ao reunir as emendas de todos os líderes partidários em um único documento, sem individualizar os autores das emendas, a operação impede a identificação de quais parlamentares foram beneficiados, o que agrava ainda mais a clandestinidade do processo.

Quarta ilegalidade: a ausência da identificação de cada deputado violou não apenas as decisões do STF, mas também as portarias conjuntas do governo federal que exigem a individualização das emendas de comissão. Esta medida, proposta pelo STF, tem como objetivo garantir que a sociedade saiba exatamente para quem estão sendo destinados os recursos públicos. O descumprimento dessa exigência representa uma afronta não só ao STF, mas também à norma constitucional que exige transparência nas decisões orçamentárias.

Além dessas ilegalidades, o ofício apresenta outro problema grave: ele inclui a exclusão de obras que já haviam sido empenhadas. Um exemplo disso é a retirada de emendas destinadas ao município de Coribe, no estado da Bahia, onde José Rocha, presidente da Comissão de Integração e Desenvolvimento Regional, havia apresentado emendas que foram, de forma retaliatória, excluídas da lista. A exclusão de emendas empenhadas sem justificativas técnicas é uma violação clara dos princípios orçamentários e administrativos.


IMPACTO LEGAL E POLÍTICO

O jornalista Breno Pires ouviu o consultor legislativo do Senado, Fernando Moutinho, especialista em orçamento, segundo o qual a operação liderada por Lira infringe diretamente a Lei Complementar nº 210/2024 e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024. Moutinho destaca que, conforme a portaria interministerial 115, as emendas devem ser indicadas pelos próprios parlamentares das comissões, e esse procedimento não foi cumprido na operação liderada por Lira. Em nota técnica anterior, Moutinho já havia alertado que as decisões do STF não foram incorporadas ao projeto da Lei Complementar nº 210, uma falha que agora se torna ainda mais evidente.

A Secretaria de Relações Institucionais, por meio de sua assessoria, se manifestou sobre o tema e afirmou que todas as comunicações oficiais referentes à execução orçamentária de emendas são remetidas aos respectivos ministérios executores, em conformidade com as diretrizes estabelecidas pelo STF e as portarias interministeriais. No entanto, a transparência exigida pela Corte ainda não foi efetivamente cumprida, e a falta de individualização das emendas continua a manter o orçamento secreto em vigor.


Lista dos líderes

A Piauí obteve a lista completa dos dezessete líderes partidários que assinaram o ofício secreto, com os respectivos horários da assinatura. Outros dois deputados federais de Alagoas fizeram parte do suposto esquema.

Doutor Luizinho (Progressistas-RJ) – 12/12/2024, às 16:46

Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) – 12/12/2024, às 17:06

Jose Guimarães (PT-CE) – 12/12/2024, às 17:12

Altineu Cortes (PL-RJ) – 12/12/2024, às 17:16

Odair Cunha (PT-MG) – 12/12/2024, às 17:29

Afonso Motta (PDT-MG) – 12/12/2024, às 17:30

Hugo Motta (Republicanos-PB) – 12/12/2024, às 17:31

Fred Costa (PRD-MG) – 12/12/2024, às 17:36

Luciano Amaral (PV-AL) – 12/12/2024, às 17:40

Adolfo Viana (PSDB-BA) – 12/12/2024, às 17:44

Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL) – 12/12/2024, às 17:46

Elmar Nascimento (União-BA) – 12/12/2024, às 18:03

Luis Tibé (Avante-MG) – 12/12/2024, às 18:11

Romero Rodrigues (Podemos-PB) – 12/12/2024, às 18:19

Gervásio Maia (PSB-PB) – 12/12/2024, às 18:30

Marcos Montes (PP-MG) – 12/12/2024, às 18:41Robson de Souza (MDB-PB) – 12/12/2024, às 18:47 


*Fonte: Revista Piauí



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