Ana Luiza Prestes, cirurgiã-dentista de 29 anos, vivia os primeiros meses da maternidade quando recebeu um diagnóstico que mudou sua vida: carcinoma adenoide cístico, um tumor maligno raro que atinge apenas 4,5 em cada 100 mil pessoas, segundo dados da Cleveland Clinic (EUA). A doença, que geralmente se desenvolve nas glândulas salivares, foi descoberta em outubro de 2023, quando Ana Luiza tinha 28 anos e sua filha havia completado pouco mais de um ano de vida.
"Foi muito difícil olhar para a minha filha e imaginar que ela poderia crescer sem mãe", conta Ana Luiza, emocionada, em entrevista ao Terra. Natural de São Bernardo do Campo (SP), ela relata que o caminho até o diagnóstico foi longo e doloroso. "Meu diagnóstico foi muito demorado, levei muito tempo para descobrir o que estava acontecendo", relembra.
Poucos dias após o parto, Ana Luiza começou a sentir uma estranha dormência em um lado do céu da boca. "Eu achei estranho, mas fazia uma semana que minha filha tinha nascido, então estava com a cabeça em outro lugar", relembra. Os meses se passaram e o incômodo inicial evoluiu para algo mais preocupante: uma dor persistente no lado esquerdo do rosto.
"Passava dias sem sentir dor, e de repente voltava. Depois de um tempo passei a sentir dor no céu da boca, na região da glândula salivar. Mas achava que sentia aquela dor quando sentia sede. Só que quando minha filha estava com cerca de um ano, essa dor passou a piorar. Então percebi que havia algo errado. E ainda tive uma gripe forte com muita secreção no nariz, só que a gripe melhorou e a secreção não melhorava".
Após meses de sintomas persistentes, Ana Luiza finalmente obteve respostas -- mas não as que esperava. Uma tomografia solicitada pelo otorrinolaringologista revelou um tumor de 5 cm alojado em seu rosto. O laudo médico a levou a um novo especialista: um cirurgião de cabeça e pescoço, profissional habilitado para tratar as doenças mais complexas da região facial.
Foi naquela consulta, ao lado do marido, que Ana Luiza ouviu as palavras que transformariam sua jornada: "Seu caso é dos mais delicados", explicou o cirurgião. "Você está com câncer e precisaremos realizar uma intervenção extremamente complexa."
"Eu comecei a tremer. Eu ainda não tinha pensado na palavra câncer. É muito pesado ouvir isso. Quando eu lembro é como se eu estivesse vendo a cena de fora do meu corpo, porque não esqueço de nada, revivo tudo de novo. Foi algo que me marcou muito. O ambiente ficou escuro, senti um gosto ruim na boca, meu estômago revirou e meu corpo ficou congelado. Então eu perguntei: 'Eu vou morrer?' ".
O médico explicou que era necessário identificar o tipo de câncer antes de prosseguir com o tratamento e que, no dia seguinte, ela já seria internada para realizar a biópsia. Ana voltou para casa com a difícil missão de contar aos pais sobre o diagnóstico. "Foi o pior dia da minha vida. Meus pais ficaram assustados, mas não choraram e me deram força. Eles falaram: 'não importa, vamos fazer de tudo para que você fique curada'. A força que minha família me passou foi essencial para minha recuperação", recorda.
Cirurgias e tratamentos
Ana encontrou em Curitiba uma médica especialista no tratamento do câncer. Após se mudar para a cidade, recebeu o resultado definitivo da biópsia e descobriu que tinha carcinoma adenoide cístico. "Ele não responde à quimioterapia, então me informaram que teriam que ser agressivos na cirurgia, ou seja, tirar o tumor e uma grande região em volta, para que não ficasse nenhuma célula que permitisse ele voltar a se desenvolver. E depois eu tive que passar por radioterapia", explica sobre o plano de tratamento.
A equipe médica realizou a cirurgia com urgência. O procedimento removeu o tumor com margem de segurança, retirando metade da maxila e as estruturas próximas para evitar células residuais -- incluindo o assoalho da órbita, o céu da boca, dentes, o osso que sustenta o nariz e o que segura o olho esquerdo. A intervenção durou aproximadamente 12 horas.
Para a reconstrução facial, os cirurgiões usaram um segmento do osso fíbula e pele da perna de Ana para reconstruir a cavidade oral. A recuperação exigiu sete dias de internação hospitalar, incluindo período na UTI. "Foi uma luta muito grande, usei sonda para me alimentar nesses dias no hospital, usei traqueostomia e não conseguia falar", relata sobre os desafios pós-operatórios.
Alguns dias após a primeira cirurgia, já em casa, o enxerto da jovem parou de receber irrigação sanguínea, o que exigiu um novo procedimento de urgência. Dessa vez, os médicos utilizaram apenas pele e músculo da coxa para a reconstrução, resultando em mais sete dias de internação. Posteriormente, foi necessário um terceiro enxerto para finalizar o reparo em uma pequena área do rosto. Após a recuperação cirúrgica, Ana iniciou um tratamento complementar com 30 sessões de radioterapia.
"Em março de 2024 eu completei a rádio, fiz meus exames e continuo sem câncer. Mas preciso estar em acompanhamento por cinco anos, no mínimo, para ter mais segurança que estou livre dele. Então são mais quatro anos de acompanhamento", explica.
Ana conta que ressignificou sua vida depois de tudo que passou. "É difícil procurar algo que ficou igual em mim depois de tudo isso. Existe uma Ana Luiza antes e outra depois, completamente diferente, uma que vem se redescobrindo todos os dias, porque é uma jornada difícil fisicamente, mas mentalmente e espiritualmente é muito mais difícil."
Ela ainda afirma que a fé foi muito importante para se manter firme no tratamento. "O diagnóstico não é uma sentença de morte. Acho que todos que somos diagnosticados temos medo disso quando sabemos da doença. Mas existe sim vida depois do câncer, e pode ser uma vida muito linda. Hoje, a minha forma de ver tudo é muito diferente. Me vejo mais confiante, mais forte, vejo um Deus muito maior porque passei por tudo isso. Foi ruim, foi difícil, foi terrível, mas foi também uma nova vida. Nos meus piores dias, o que me fortaleceu foi a fé de que não existe mal para sempre, e passou. Tive dias no fundo do poço, e a fé, Deus, me resgatou."
Fonte: Terra
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