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Policiais tiveram spray de pimenta atirado nos olhos durante curso

Por Elisângela Costa em 26/06/2023 12:39:39

Uma policial participante do curso em que o instrutor foi denunciado por ter agredido uma das alunas conversou com a TV Verdes Mares e revelou detalhes da formação. Segundo a policial, que não preferiu não se identificar, o curso teve várias desistências por conta de "punições" e situações degradantes a que as participantes eram submetidas.

O caso chamou atenção após uma policial civil do Maranhão mostrar os hematomas da agressão que teria sofrido no curso ministrado pela Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará (Aesp). Conforme a denunciante, o instrutor teria agredido ela e outras 21 alunas com uma ripa de madeira após o sumiço de um pedaço de pizza. Após a agressão, a policial desistiu da formação e precisou procurar apoio psicológico.

A policial que conversou com a reportagem também desistiu do curso, porém por conta do desgaste físico. Ainda assim, logo na primeira semana de formação, algumas circunstâncias chamaram a atenção da participante.

"O exercício inicial era uma marcha de 12km. A gente fala marcha, mas na verdade era uma corrida. Tem agente fardada, com fuzil, mochila com todo o material, tem os agentes químicos, e algumas alunas têm pesos a mais", explica, completando que a distribuição de pesos extras a alunas não teria relação com o condicionamento físico da mesma, mas sim com situações da vida pessoal da aluna, que passa por uma espécie de investigação pelos instrutores antes do início do curso.

"No caso da marcha, algumas pessoas levaram agente químico (gás pimenta) diretamente no olho, outras, além de todo esse peso que era comum a todas as alunas, algumas estavam com dois fuzis, com três, estavam com uma corrente no pescoço", detalha a policial sobre os pesos extras. "É uma carga a mais para que ela (aluna) não se forme", completa.

Além dos pesos, o uso de gás pimenta nas alunas, conforme a policial, ocorreu de modo desproporcional.

"Geralmente, ele é para espalhar, mas no caso das meninas que tinham uma carga a mais, o gás foi direto nos olhos e algumas até desistiram. Teve uma, inclusive, que estava com três fuzis, não tava conseguindo enxergar, estava com o colar, esse colar de corrente mais pesada, e ela desistiu porque já estava com todo esse sobrepeso e também não estava conseguindo enxergar durante a marcha", relembra.

Manual do curso prega união entre alunas

Segundo o Manual da Aluna, disponibilizado pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), o curso tem por finalidade "ambientar, adaptar e preparar as alunas para que possam atuar operacionalmente no Estado do Ceará e em qualquer outro Estado [...], além de desenvolver as seguintes características necessárias ao profissional de segurança pública: autoconfiança, decisão, equilíbrio emocional, iniciativa, liderança, persistência, resistência e rusticidade."

O guia, que possui 16 páginas, também dá orientações sobre como as alunas devem vestir-se e portar-se, indicando que durante as revistas matinais elas devem se apresentar "em perfeitas condições de limpeza e padronização", manter o cabelo preso em coque, não se automedicar nem utilizar câmeras ou celulares sem autorização.

O manual também indica exemplos de "falhas cometidas" que podem levar à exclusão do curso, entre elas:

Mostrar desunião e incapacidade de trabalhar em equipe

Apresentar-se sempre de forma errada; com material sujo; fora do padrão do restante do turno

Não cumprir o que está determinado no manual

Mostrar-se desatenta durante as instruções

Cometer qualquer ato de insubordinação com a equipe de instrução

Apesar das regras rígidas, a policial com quem a reportagem conversou afirmou que várias decisões que afetavam sobremaneira determinadas alunas eram tomadas por motivações pessoais. Teve uma colega que tem um relacionamento com um rapaz e esse rapaz teve um relacionamento com uma das instrutoras, e por conta disso ela teve uma carga (peso) maior", exemplifica.

"Teve alguns excessos que já tinham ultrapassado desse parâmetro de técnica, não era mais uma parte técnica, porque a ralação em si é normal de todo curso, de todo curso tático, todo curso operacional, mas essa questão de ser como uma punição já entra em uma outra esfera", avalia a agente.

O que diz a Secretaria de Segurança

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública do Ceará (SSPDS), disse que desde que tomou conhecimento do caso da agressão à policial civil do Maranhão, colocou todo o aparato das instituições disponíveis e trata o caso com seriedade.

"A SSPDS ressalta que um inquérito policial para apurar o fato foi instaurado na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), onde foram realizadas oitivas e a vítima recebeu todo acolhimento, além de ser encaminhada para a realização de exame de corpo de delito. Cabe destacar que o inquérito policial corre em segredo de Justiça, desta forma, detalhes da investigação em andamento não podem ser revelados".

Ainda na resposta, a pasta reforçou que a Controladoria Geral de Disciplina (CGD) dos Órgãos de Segurança Pública determinou imediata instauração de procedimento disciplinar para devida apuração na seara administrativa disciplinar.

Decepção com o curso

"Houve uma decepção porque tem toda uma perspectiva de empoderamento, tem uma ideologia de empoderamento, de reforçar a mulher na segurança pública, que é vítima de machismo... Uma coisa é uma aluna receber uma carga por conta de curso, de físico, que é dentro do esperado de um curso, outra coisa são questões pessoais e até contra as ideologias feministas terminarem decidindo pela exclusão ou carga maior em um curso", lamenta a agente.

Ainda antes da agressão denunciada pela policial civil do Maranhão, no oitavo dia do curso, outras alunas teriam desistido.

"Algumas passaram mal. Colegas que, após a marcha, chegaram no acampamento com alucinações por conta do esforço físico. Teve uma colega que desistiu porque, por conta do esforço, não sentiu as pernas. Teve colegas que baixou a oxigenação", aponta a participante que conversou com a TV Verdes Mares.

A agente aponta que, ao se inscrever, as participantes sabem da exigência física elevada e das regras rígidas do curso. No entanto, o problema, segundo ela, é quando as ações dos instrutores extrapolam a esfera formativa.

"O curso de operações especiais não tem a intenção de formar muitos, porque realmente é para selecionar. Só que quando ocorrem essas injustiças, termina que se desiste não por falta de preparo ou por falta de psicológico, mas por considerar que aquilo não é justo, não seria honrado", afirma. "Você vai pra um curso para se capacitar, não para sofrer um tipo de violência", conclui a agente.


Fonte: g1


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